Com propostas disruptivas, 16 startups receberam aportes de investidores e passaram a valer acima de US$ 1 bilhão. Enquanto parte do mercado se anima, há alertas para o risco da falta de estrutura para crescer e ausência de rentabilidade.

Uma ideia inovadora, um escritório adaptado na garagem, um grupo de jovens de bermudas, camisetas básicas e tênis… Os estereótipos que lapidaram os nerds e os geeks das últimas décadas, divulgados mundo afora por gênios prodígios como Steve Jobs (Apple), Bill Gates (Microsoft) e Mark Zuckerberg (Facebook), construíram a imagem de que a ideia disrutiva de hoje pode ser uma fonte inesgotável de riqueza amanhã. Como em todo segmento, no entanto, a vida real costuma ser bem mais dura. De acordo com dados divulgados pelo Investopedia e pelo site especializado em tecnologia Review 42, a taxa de fracasso entre startups atinge nove em cada dez empresas. E 21,5% morrem em 12 meses. No Brasil o cenário não é diferente. Segundo a ACE Startups, 78% das que captam investimento desaparecem após o “seed” – a injeção de dinheiro (de US$ 500 mil a US$ 3 milhões) feita nos estágios iniciais de maturidade do negócio. E sobreviver é só o começo.

As startups passaram a ganhar maior relevância devido à conjuntura econômica global, Há hoje uma oferta inédita de capital em busca de retorno alto em um mundo de juro baixo. E empresas inovadoras têm atraído esses aportes. Em 2020, a captação no Brasil chegou a US$ 3,5 bilhões, em 469 rodadas efetivadas. Foi o melhor ano da história, de acordo com o Inside Venture Capital Brasil, em levantamento realizado pela Distrito Dataminer. A crifra supera em 15,2% a de 2019, que fechou em US$ 2,97 bilhões. Algumas startups raras, com escalabilidade e capilaridade, transformaram-se em unicórnios, com valor dos ativos acima de US$ 1 bilhão. O País possui hoje 16 delas, segundo a ABStartups (Associação Brasileira de Startups). Todas alcançaram esse patamar nos últimos três anos, quatro delas em 2020 e uma em 2021. Performance que multiplica o ânimo do mercado.

Por outro lado — sempre há outros lados — esse movimento é acompanhado de boas doses de ceticismo. Esses unicórnios, em sua maioria, mantêm números fechados sobre faturamento e rentabilidade, o que gera especulação sobre seu real tamanho. “Existe uma tendência de criarmos mais unicórnios, mas alguns terão problemas, pois vão crescer sem base estruturada”, afirmou Walter Sabini Júnior, fundador e CEO do fundo Hi Partners Capital&Work, focado em empresas inovadoras. Para Maurício Fiss, diretor executivo de inovação e transformação na ICTS Protiviti, o risco é de derretimento dos unicórnios que não têm propósitos transparentes. “Se a meta é só dinheiro, amanhã tropeçam e o valuation cai a zero. Ter foco, ética e não cometer erros no meio do caminho é o que vale mais no mercado.”

Pedro Carneiro, head de operações e inteligência da ACE, uma das maiores aceleradores de startups, diz que a morte prematura da maioria das startups ocorre porque as empresas não possuem um produto ou serviço de valor agregado. “Ou porque escolheu atuar em um ramo que não resolve um problema real”, disse. No portfólio da ACE há cerca de 100 investidas, quatro delas (Acordo Online, Deskfy, LogInfo e Viziomed) escolhidas em 2020 após 1 mil avaliações. “Fazemos análises criteriosas. Nossos resultados são de 85% das startups mantendo tração após o seed.”

MADEIRAMADEIRA Mesmo com alto risco, os investimentos estão aquecidos e devem continuar este ano. Por um motivo bem basilar: é no risco que existe a oportunidade. “Mais uma vez o mercado de tecnologia e inovação comprovou sua resiliência e visão de longo prazo. Tivemos um recorde em volume e número de transações em 2020 e acreditamos que 2021 será ainda maior”, disse Gustavo Gierun, cofundador do Distrito, ecossistema independente de startups. O ano de pandemia gerou quatro dos 16 unicórnios brasileiros: C6 Bank, Crediytas, Loft e Vtex. Este ano começou com a MadeiraMadeira anunciando captação de US$ 190 milhões — em rodada liderada por SoftBank e Dynamo — e também ultrapassou US$ 1 bilhão em valuation.

Hoje há 500 unicórnios em todo o mundo, segundo a empresa de pesquisas americana CB Insights. Os 16 brasileiros representam 0,1% das 13.407 startups ativas no País, segundo a ABStartups. O número de startups cresce à medida que o empreendedorismo calcado na inovação ganha espaço com consumidores cada vez mais conectados e abertos a novas tecnologias. Em 2015, eram 4.151 empresas do tipo no Brasil. Desde então, o crescimento foi de 223%. Mais companhias, maior possibilidade de unicórnios. Acrescente-se a esse molho importantes ingredientes que fazem a receita atraente: há grande liquidez no mercado e os investidores capitalizados estão à procura de boas oportunidades para aumentar sua rentabilidade, já que os juros baixos e o dólar nas alturas estimulam aplicações em empresas. O dinheiro do Brasil está barato.

Os unicórnios que conseguirem transformar os aportes em valor aos acionistas, com crescimento de receitas e de margem, não irão derreter, na visão de Bruno Dequech Ceschin, cofundador da Jupter, que encontra e financia projetos disruptivos. “Mas não está descartado que algumas podem não conseguir executar a estratégia vendida aos investidores no momento da captação”, afirmou. Para ele, essas podem ser vendidas a concorrentes ou até eventualmente fecharem. “Mas até hoje foram poucos unicórnios que conseguiram estragar toda a história mágica de criação e distribuição de riqueza em tempo recorde que tem sido construída e reportada.”

Em alguns casos, como o da MadeiraMadeira, a carga de ações de marketing é ampliada para atrair a atenção do público e de investidores. A rede varejista curitibana de artigos para o lar tem surfado na onda do aumento de produtos para casa, gerado pelo isolamento social forçado pela pandemia da Covid-19. Capitalizada, a companhia pretende abrir 120 lojas físicas durante 2021 — atualmente são apenas dez. A estratégia é ganhar presença com os chamados guide shops, pequenos espaços que permitem conhecer ao vivo os produtos e fazer os pedidos de maneira on-line. Uma tática para conquistar a confiança do consumidor.

A expectativa é alta. A MadeiraMadeira, que no começo de 2020 tinha 600 funcionários, dobrou de tamanho e terminou com 1,3 mil. Pretende chegar ao final deste ano com 2,7 mil colaboradores. Um plano ousado. André Martins, CEO da SuperJobs Ventures, diz que o fato de uma empresa ter chegado a valor superior a US$ 1 bilhão traz mais responsabilidades, em especial com o time. “Isso é a maior preocupação daqui em diante, ter pessoas capazes para gerir times dessa magnitude e fazer com que esse time execute bem o planejamento”, afirmou. O sucesso da MadeiraMadeira vai depender também da continuidade do apelo dos clientes por compras digitais, o que não deve se alterar, campo em que seus concorrentes, como Mobly, Tok&Stok e Westwing também estão preparados.

Os pés no chão dos líderes, a manutenção da governança e o compliance ajustado são outros fatores que devem ser levados em conta para a saúde econômica e a sequência evolutiva da marca, lição que serve para todas as integrantes do ecossistema. Pontos que foram ignorados pela WeWork, mais precisamente pelo seu fundador, Adam Neumann. Talvez seja o caso mais emblemático de um unicórnio abatido. A história de fracasso da startup americana de escritórios compartilhados é citada por dez entre dez especialistas. A empresa era uma das mais bem sucedidas dos Estados Unidos, chegando a valorer US$ 47 bilhões. Mas, a partir da tentativa de abrir o capital em 2019, ficaram escancarados os muitos problemas de gestão. O IPO não foi executado e a startup só não faliu porque foi socorrida pelo fundo japonês Softbank, investidor da empresa, com o consequente afastamento de Neumann da companhia.

O Softbank, aliás, é um dos maiores investidores das startups brasileiras. O grupo asiático lançou em 2019 um fundo de tecnologia de US$ 5 bilhões para aportes com foco na América Latina. O Brasil é o principal mercado. Apenas entre nossos 16 unicórnios, o Softbank apostou suas fichas em sete (99, Creditas, Gympass, Loggi, MadeiraMadeira, QuindoAndar e Vtex), totalizando US$ 1,392 bilhão em aplicações. Sabini Júnior, da Hi Partners, afirma que isso ocorre porque o País é um bom celeiro de startups com potencial. “E existe dinheiro à disposição. Mas é preciso ter talento e projeto. A Loggi, por exemplo, ainda não gerou rentabilidade”, afirmou. A 99, segundo fontes do mercado, trabalha para reduzir o custo de sua operação e não alcançou lucratividade ainda. E aqui valem uma constatação e um alento: para ser grande é preciso paciência, vide a gigante Amazon, que levou seis anos para gerar lucro.

Um caso negativo marcante no Brasil é o da startup Yellow, de compartilhamento de bikes, que esfarelou antes de chegar ao sonhado patamar de uniórnio. Começou a operar em 2018. Recebeu cerca de US$ 150 milhões em aportes e logo criou-se a expectativa de crescimento exponencial. Em 2019, fundiu-se à mexicana Grin, de patinetes, resultando na Grow. Mas falhas na condução do negócio levaram a empresa a complicações financeiras, agravadas pela crise provocada pela pandemia, que culminaram em pedido de recuperação judicial em meados do ano passado. Agora, as bicicletas amarelas estão sendo vendidas em leilão pela Caloi, uma das credoras da startup.

Dois dos mais recentes unicórnios brasileiros superaram valor de mercado de U$S 1 bilhão em tempo recorde: C6 Bank e Loft. A plataforma de compra, reforma e venda de imóveis foi criada em agosto 2018 e em janeiro de 2020 já alcançou o status raro. Recebeu investimentos de US$ 263 milhões e tem um campo importante a ser explorado, ao desburocratizar, por meio da tecnologia, o analógico setor imobiliário do País. Por isso, está em patamar mais solidificado. Hoje, a startup possui 10 mil apartamentos para comercialização, em São Paulo (9 mil) e no Rio de Janeiro (1 mil), oito vezes mais do que no início de 2020. Na capital paulista, passou a atuação de 12 para 110 bairros. Nas duas cidades, o objetivo é triplicar o estoque de imóveis em 2021. Além de avançar no serviço de financiamento imobiliário, que hoje atinge 700 contratos. O húngaro Mate Pencz, CEO e cofundador da Loft, e que traz em sua bagagem a experiência da startup Printi, gráfica on-line aberta em 2012 e vendida para a irlandesa Cimpress ano passado, afirmou que a empresa já recebeu três rodads de investimento. E isso deu fôlego à empresa. “Fechamos em crescimento em faturamento, volume negociado e geração de margem. Tudo em alta absoluta”, disse. “Visamos crescimento sustentável, com equilíbrio da rentabilidade do negócio para criar algo duradouro.”

O C6 Bank, banco digital sem agência física, tem em seu corpo acionário um grupo de 25 executivos com experiência nos mercados financeiro e de tecnologia. Começou a operação em agosto de 2019. Após cinco meses, atingiu a marca de 1 milhão de contas abertas, recorde mundial, segundo a consultoria McKinsey & Company. Em 2020, foram mais 3 milhões de clientes, totalizando 4 milhões de usuários. Em dezembro último, tornou-se unicórnio com aporte de US$ 250 milhões.

FINTECH Levantamento feito pelo UBS Banco de Investimentos com dados do Banco Central mostra que o C6 Bank teve a maior expansão entre as fintechs no País no terceiro trimestre de 2020, com crescimento 48% na base de clientes em relação ao trimestre anterior. O estudo mostrou ainda que os bancos digitais superaram as instituições financeiras tradicionais na quantidade de downloads de apps ano passado. Tudo isso representa um caminho solidificado, na avaliação de Maxnaun Gutierrez, head de produtos e pessoa física do C6. “É um crescimento sustentável. Estamos em 99,9% dos municípios brasileiros”, afirmou. “A internet está disseminada no País todo. O principal movimento é de cultura, da cabeça do consumidor.” Ele prevê já neste ano a geração de resultados positivos de receita, sem dependência de novos investimentos.

Além dos unicórnios, há um novo movimento que atrai capital: as zebras. O termo surgiu nos Estados Unidos em 2017 para startups com propósito socioambiental, que buscam a construção de empresas sustentáveis em vez de crescimento exponencial. Um contraste em relação aos unicórnios. Rodrigo Blanco, consultor de negócios digitais e transformação na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos e compliance, afirma que as zebras visam a volta de fundamentos básicos e a possibilidade de gerir os negócios para que estes não sejam apenas empreendimentos de curto prazo. “Para isso, é preciso entender se atende ao tripé sustentabilidade ambiental, social e econômica”, afirmou.

Em solo americano, o movimento Zebra Unite ganha corpo, ao mostrar aos investidores que aportes nessas startups podem ser tão rentáveis quanto em outros segmentos. O valor, porém, vai além do retorno financeiro. Para Maurício Fiss, diretor da ICTS Protiviti, várias startups não têm propósito, são vazias. “Perguntamos sempre aos fundadores: o que motiva? As respostas são muito vagas ou a pessoa está apenas atrás de dinheiro. Existe a tendência forte de ter algum propósito.” Ele afirma que o mercado de venture capital está cada vez mais atento ao fator ESG (governança ambiental, social e corporativa).

Entre erros e acertos, dúvidas e certezas, zebras e unicórnios, as startups de hoje podem se tornar a Apple ou o Facebook de amanhã. Para isso a receita é a mesma de qualquer negócio: intuição, dedicação e sorte.

Fonte: ISTOÉ DINHEIRO 

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6 respostas

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